sábado, 22 de julho de 2006

Maré de Rosas

Entremos no coração desse Bairro Alto, "xadrezado como uma reixa mourisca", guardador como sempre de "um mundo de bizarrias, excentricidades, episódios; um carácter diferenciado, com ciclos de êxtase devoto, formigueiro de vidas, soltura de costumes, sombras e claridades, tumultos e quietação" (Norbeto Araújo, 1938). É na Rua da Rosa, a mais comprida do bairro e a única que o percorre de ponta a ponta (do Calhariz à Rua D. Pedro V), que no n.º 265, quase no extremo norte, vamos descobrir o Restaurante ROSA DA RUA, aqui morador desde Abril de 2005. No rés-do-chão de um prédio que pertenceu ao seu trisavô, Teresa Ferreira de Almeida, antes dedicada ao ensino infantil, estabeleceu-se como restauradora, com intervenção activa na cozinha e na sala. O local foi remodelado sob direcção do arquitecto Francisco Sequeira que, na heterogeneidade dos elementos constitutivos (chão de ripas de madeira encerada, paredes de reboco grosseiro com madeira cruzada incrustada, tecto falso com telões em rosa-velho, colunas e traves de ferro numa espécie de estrutura central, o solo de pedrinhas a caminho da secção sanitária) soube criar espaços agradáveis e propícios à fruição tranquila.
Como nada se provou dos respectivos conteúdos, mera referência às 7 Entradas (cite-se à laia de exemplo, «o paté de pato»/6€, e o «folhado de chèvre»/5,50€), às 3 Sopas (por exemplo, «sopa de tomate com ovo escalfado»/2,50€) e às 4 Saladas (sirva para exemplificar a de «rúcula com alho francês, cebola e queijo Feta»/6€). A área dos Peixes está povoada com 8 criações. Começo por uma que já não figura na lista actual, as «sardinhas albardadas com arroz de grelos» (16€), que, à parte o polme demasiado forte e o arroz ligeiramente aguado, se deixaram airosamente comer. Soberbas as «lulas recheadas» (16€), o saboroso recheio conseguido apenas à custa dos tentáculos e de arroz cozinhado, acompanhadas por gostosas batatas primeiro cozidas, depois esmagadas no "passe-vite" e por fim levadas ao forno com um pouco de manteiga. Um caso de simplicidade saborida a «raia com molho de pimenta» (17€), fresca, cozida em caldo aromatizado, boa ligação com molho de natas apimentadas, complementaridade de batatinhas cozidas. Dos 6 pratos de Carne, início igualmente por um que já não há, mas é sempre uma pedra-de-toque, o «cabrito no forno com batatinhas» (16€), absolutamente estimável. O «eisbein Rosa da Rua com puré de maçã e couve-lombarda» (16€), esta sem "choucroutização" e o jarrete de porco sem ademanes alsacianos ou alemães, foi um belo cozinhado à nossa maneira, com valorização da pele.
De invólucro impecável e interior apetitoso, as «bochechas de porco preto em massa folhada» (15€), estiveram perfeitas na textura e no paladar, muito bem assessoradas por um aplaudido arroz escuro (feito com água da cozedura do pato, "bacon", cebola e limão), esparregado honesto e saladinha mista. A lista encerra com 4 Pratos Indianos e 2 Vegetarianos.
Da meia dúzia de doces, aprovadíssimos os provados «leite-creme» (4€), «crepe de chocolate e banana com sorbet de cassis» (6,50€) e «crepe de caramelo e pinhões» idem (6€). Carta de vinhos ainda júnior e sem datações: 24 tintos, 10 brancos, 4 espumantes e 1 champanhe. Serviço esforçado e discreto.
Num local singular e em ambiente de civilidade cordial, Teresa Ferreira de Almeida e o seu cozinheiro cabo-verdiano avançam com propostas interessantes e culinária convincente, pelo que a visita se torna decididamente aconselhável.
in Única (Expresso) 1760 - 22/Julho'06, por José Quitério

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